sexta-feira

Lembranças

Lembranças
Imagem/Reprodução: Wellington Luz

Suas patas brincam com a composição da imagem, levam os olhos num vai e vem desesperado nas diagonais da foto. Não respeitei regras e conceitos fotográficos, apenas quis registrar a ânsia de seus dentes em coçar sua pele já gasta, espalhando os velhos pelos ao chão.
Lembro-me do tempo em que você era branca e aos poucos fundiu-se a cor do piso da escada e ao tapete de crochê feito exclusivamente para você.  E por ser um retratista pergunto-me o porquê de não esperar o momento de captar sua face, afinal, é por ela que iria lembrar-me de você. Mas a abstração da imagem tornou-se mais forte e significativa a mim mais do que qualquer outra coisa.
Essa imagem me trás seu cheiro de necessidade de banho, trás sua textura macia e agradável e me faz lembrar sua magreza e do leve peso. Essa superfície insignificante compacta todo um sentimento que ficou de você que foi embora. Saudade.
Consegui aprisionar no tempo-espaço, suas patas, suas unhas, suas pintas invisíveis embaixo do peito. Eu quase consegui aprisionar você. Manter ainda aqui, comigo. E por ter ido embora e não ter se despedido, acredito na sua improvável volta. Com a ilusão que qualquer dia eu serei acordado por suas lambidas em meu rosto exigindo que eu acorde para dar-lhe atenção.
Saudade é tudo que fica de quem não ficou. E essa imagem me desperta saudade, desperta-me você.
A fotografia tem o poder de aprisionar o tempo e o faz como nenhuma outra ferramenta tem a capacidade de fazer. E esta é uma das razões pela qual decidi mergulhar no mundo das imagens. A câmera fotográfica serve como uma arma onde posso compactar ideias que geram emoções, e este artificio é único, meu e dela. Um de seus recursos é a lembrança, e eu como um bom signo da lua, câncer, sei exatamente como a lembrança no nicho da memória funciona. Ela fisga do poço escuro do mais profundo eu e vem rápida e irregular projetar desesperadamente em nossas cabeças. A lembrança é bruta e radical e sensível e passiva.
Esse registro aconteceu em uma de minhas observações sobre minha cachorra que desapareceu a alguns meses. Ao estudar composições fotográficas a usava como assunto de minhas imagens. Ela se foi, e o que ficou dela foram minhas visões sobre sua existência.
Suas patas criam uma composição triangular na imagem, e isso cria certo abstracionismo na imagem. A luz é suave e natural, e não foi usado tratamento de imagem. O recorte 16:9 foi proposital para dar a sensação de alongamento em seu corpo e fazer uma referencia ao estilo de cinema.

Sou fotografo e dedicarei minha participação no Intrínseco Universo em relatar as coisas com meu olhar fotográfico, espero que gostem de observar as coisas sobre outras óticas.

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